You are currently viewing A “namolada”

A “namolada”

Um telefone vibra incessantemente na mesa do bar. A conversa de prelúdio se Flávia, a nova colega da firma, usa silicone ou não é interrompida. É o celular de Carlos. Na tela do aparelho dele aparece a foto de Anita e o nome “Namolada”.
Nós todos nos olhamos sisudos. Como assim?
Logo Carlos. Futeboleiro, metido a galanteador e motorista de Opala. Um silêncio paira no ar. Apenas o som da vibração do celular contra a mesa e a narração do Galvão Bueno ao fundo.
Ele atende o celular e sai da mesa. Discretamente, eu o persigo até o lado de fora do bar. Sou repórter, minha curiosidade tinha que ver aquilo de perto.
Escondido atrás de um poste, acompanhei toda conversa entre Carlos e Anita e pude constatar de fato.
Carlos fazia vozinha pra falar com sua amada.
– Quem é meu ursinho carinhoso? Quem, quem, quem? – dizia ela no outro lado da linha a Carlos.
– SOU EU, SOU EU, EUZINHO! VOCÊ É MINHA NAMOLADA – respondia em tom fino o rapaz.
– Vou desligar, meu pequeno príncipe.
– “Xim”! Tá bom, namolada! Minha princesa do mundo todo.
Ele desligou o telefone, jogou os ombros pra trás e voltou viril para dentro do bar.
Uma decepção tomou conta de mim. Quantos segredos meus íntimos Carlos sabia. Uma amizade construída com bases sólidas. Agora ele se mostrava de verdade quem era.
Nada daquilo de “Carro, pra mim, é Opala”, “Mulher, pra mim, não dá palpite” ou, ainda “Eu não ligo pro que elas pensam de mim” fazia mais sentido. Todas as coisas belas que Carlos dizia eram apenas pleonasmos podres agora.
Voltei pra mesa com a turma e anunciei.
– Temos um “ursinho” entre nós.
Carlos tentou argumentar. Disse que aquilo tudo eram brincadeiras, que começaram a ser proliferadas num passeio de domingo, à tarde, de pedalinho cisne na Lagoa da Harmonia. Ou ainda que era chamado de ursinho pois sua “cônjuge” lhe achava forte e peludo.
Nada daquilo fazia sentido e só piorava sua situação.
A noite estava acabada.
No outro dia, contei pra Dalila, a minha namorada. Ela gargalhava imaginando a hombridade do parrudo Carlos indo para as cucuias ao transformar-se em ursinho “namolado de Anita”.
Despojadamente, eu e ela começamos também a nos chamarmos de “namolado” e “namolada”. Aquilo era uma forma de rir da desgraça de Carlos e de qualquer coisa quando não se tinha mais nada para fazer.
Em dado ponto, cheguei a inclusive a mudar o nome de “Dalila” no celular para “Namolada”. De zoação, aquilo não era sério.
Eis que um dia, passado um ano inteiro do ocorrido de Carlos na mesa, estávamos no bar e meu telefone toca.
Saio da mesa e deixo a turma toda para trás para atender Dalila. Brincamos um pouco sobre nossa vida a dois. Por óbvio, nos chamamos de “namolada”, “ursinho” e “pudinzinho do amor”. Claro, tudo na zoeira.
Ao desligar o telefone, estava ele – Carlos, com o celular em riste atrás de uma moita. Escondido, gravou toda minha conversa e fez a maior vingança já vista pelo homem.
Tentei argumentar, mas minha situação só piorava.
Até hoje, sou chamado de “ursinho”, nos bastidores, pelas mais antigos e os mais novos.